A VOLTA DO SEGUNDO ATACANTE COMO ESTRATÉGIA OFENSIVA

16/01/2014 14:29

 

Jonathan Wilson iniciou sua retrospectiva tática de 2013 e tratou de um assunto que se mostra cada vez mais presente nas transições ofensivas: a volta do segundo atacante. Desde meados da década de 90, quando o uso de esquemas derivados do 4-4-2 em linhas lastrou como tendência predominante no futebol mundial, a figura do segundo atacante, posição chave no nascimento do 4-2-3-1, foi perdendo espaço. Porém, a tendência tem mudado e a presença de área tem sido novamente valorizada.

Como explicado aqui no Painel Tático, o 4-2-3-1 nasceu do recuo de um dos atacantes do 4-4-2 britânico. Em tese, o segundo atacante virou o meia central do 4-5-1 que virou epidemia tática mundial, dando a possibilidade ofensiva ao time de criar pelos flancos e também pelo centro, aproveitando o espaço entre a zaga e os volantes na intermediária. Por isso a compactação entre as linhas foi ganhando tanta importância nas preleções táticas.

Nos primórdios do 4-2-3-1, esse segundo atacante abandonou a área para arrastar um zagueiro consigo, liberando mais espaço para as inserções em diagonal dos ponteiros e também para deixar o outro atacante no mano a mano com o zagueiro da sobra. Mas, com a evolução das nuances do esquema, esse segundo atacante foi sepultado pelos usuários dos desenhos derivados do 4-4-2 em linhas, consolidando assim o nascimento do meia central, um dos dogmas marcantes do 4-2-3-1.

Entretanto, Jonathan Wilson, que no livro “Inverting the Pyramid (A inversão da pirâmide)”, coloca o 4-5-1 como talvez o último grau da inversão nos quadros da evolução tática, enxergou algo cada vez mais perceptível nas transições ofensivas: o “retorno” do segundo atacante. Com o futebol cada vez mais estrutural e com a estratégia das transições bem definidas, a polivalência tem separado cada vez mais o posicionamento da função.

Para exemplificar, Wilson citou várias “duplas” de ataque atuais como Diego Costa e David Villa (Atlético de Madrid), Luis Suárez e Daniel Sturridge (Liverpool), Zlatan Ibrahimovic e Edinson Cavani (Paris Saint-Germain) e, por fim, Fernando Llorente e Carlos Tevez (Juventus). E a questão não é somente o ponteiro ou o meia central encostar eventualmente no centroavante para fazer o papel de atacante, mas o uso de uma estratégia definida de usar dois atacantes na transição ofensiva. Assim declarou Wilson:

 

- Na Eurocopa de 2008, o 4-2-3-1 já tinha se tornado padrão. Durante essa última década ou até mais, parecia inconcebível que uma equipe de ponta, que almejasse prosperar, atuasse com uma dupla de atacantes. E isso porque jogar com dois homens de frente significaria perder superioridade numérica no meio de campo.

 

A superioridade numérica no meio é o que “matou” o segundo atacante, de acordo com a análise de Wilson. Venho ressaltando aqui no Painel, na maioria dos textos, a questão da superioridade numérica na meia cancha. Vivemos a era da compactação, da marcação pressão e da transição ofensiva agressiva, o que torna a superioridade no centro do bloco uma arma letal. Na exemplificação gráfica, o time de amarelo com dois atacantes e o time azul no 4-5-1, o que lhe proporciona ter cinco jogadores no meio contra apenas quatro do adversário.

 

Outra questão: possuir um jogador a mais no meio é preferir um desenho mais próximo do 4-3-3, esquema que também se adaptou aos novos tempos e se mescla com versatilidade aos desenhos modernos como o 4-2-3-1 e o 4-1-4-1. Ter dois atacantes deixa o ataque no mano a mano com a zaga e prende um volante adversário, mas também diminui as linhas do time que lhe proporcionam controlar melhor o adversário e a partida. Admirador do 4-3-3, certa vez declarou Van Gaal sobre sua predileção do desenho em detrimento do 4-4-2:

 

- Quando você joga num 4-4-2, você tem uma linha de quatro jogadores no meio-campo e não consegue atacar a bola em mais do que três ou quatro momentos. No 4-3-3 é possível começar a marcação com o centroavante, passar pelos dois atacantes (ponteiros, wingers), pelo meia, pelos volantes e pela defesa. São seis linhas de ataque à bola. Portanto, do ponto de vista matemático, sua chance de dominar o jogo é maior.

 

Então, o que explica esse retorno das duplas de ataque? A resposta é a polivalência. Os jogadores de meio vão cada vez mais se tornando verdadeiros coringas, o que abre uma cártula de estratégias muito interessante para os duelos táticos. Cito outro exemplo, como o próprio Cavani na seleção do Uruguai. Na Copa das Confederações, disputada ano passado, exercia função interessante. Na transição defensiva marcava muito como winger na linha de meio. Com a bola, virava atacante e se juntava a Suárez.

Wilson tratou o Manchester City com mais atenção em sua reflexão. Ressaltou muito bem que Álvaro Negredo e Sergio Agüero formam uma moderna dupla de ataque. Concluiu salientando que eles podem não jogar exatamente lado a lado o tempo todo, mas que também não se pode argumentar que um dos dois está jogando como meia, o que seria exigido legitimamente para descrever a formação como um 4-2-3-1. Abaixo algumas ilustrações sobre o tema abordado:

 

Ilustração de André Rocha: City no 4-4-2 britânico e o Arsenal no 4-2-3-1. Como destacado por André no Olho Tático, o volume de jogo do City tem chamado a atenção. Os extremos acirram a marcação pelo meio para propiciar dois homens de área na transição ofensiva.

 

 

Copa das Confederações 2014: Cavani fazendo dupla função se destacou na competição, sobretudo na semifinal contra o Brasil, quando foi um dos melhores em campo e ainda marcou o gol uruguaio na derrota por 2 a 1. O jogador realizou dupla função no torneio: na transição ofensiva era winger e dobrava a marcação pelo flanco. Quando o Uruguai retomava a bola, partia em velocidade para o campo de ataque e se tornava atacante ao lado de Suárez.

 

 

Ilustração de André Rocha: Diego Costa de extremo aparecendo na área como atacante para marcar no clássico contra o Real Madrid. Como destacado por André, Diego infiltrou na diagonal às costas da zaga merengue no contragolpe em velocidade.

 

 

Outra questão que permeia esse uso do segundo atacante é a volta do 4-2-4 nas transições ofensivas. Como já delineado aqui no Painel (link abaixo), a prática vem se tornando habitual aos usuários de desenhos que têm como origem o 4-4-2 em linhas. Ter mais um atacante facilita, em termos de velocidade, igualar numericamente a linha de ataque com a linha de defesa do adversário. Esse 4-2-4 moderno é um preceito que milita por mais um homem na linha de frente, o que pode explicar essa volta do segundo atacante.

Atualmente, a disparidade entre as transições exige o centroavante ajudando na transição defensiva e mais um atacante na área na transição ofensiva, para aumentar o volume de jogo e colocar quatro homens de frente contra os quatro defensores da linha de defesa adversária. Essa diferença entre as estratégias e a polivalência proporcionam a volta do segundo atacante. A compactação também, afinal os jogadores estão cada vez mais próximos dentro desses blocos que vão transitando sobre o tablado.

Tudo isso tem tirado a rigidez do 4-2-3-1 e dos outros desenhos modernos. Com a disputa por espaço baseada na pressão, as estratégias de ataque, que sustentam as agressivas transições ofensivas, vão tornando o futebol cada vez mais analítico e estratégico. A grande questão é que o 4-6-0, já visível, é tido como o próximo degrau da evolução tática. Deixo um questionamento para meus convidados: o que significa, então, essa volta mais marcante das duplas de ataque?

 

André Rocha: “A volta do 4-4-2 é possível por conta da versatilidade dos jogadores. Na prática ele não existe mais em sua essência. Ou seja, duas torres na área adversária - como Hurst e Hunt na Inglaterra de 1966 , por exemplo. No City, Agüero pode recuar pelo centro para articular, mas também abrir em um dos lados e David Silva ou Nasri centraliza para articular. Na execução é um 4-2-3-1. O mesmo com o Liverpool quando Brendan Rodgers escala Sturridge e Suárez. Tite tentou colocar em prática no Corinthians, com Renato Augusto e Danilo pelos lados, Paulinho e Ralf no centro e Pato e Guerrero na frente. A ideia era a mesma, nas palavras do treinador. Um dos centroavantes recuaria ou abriria no flanco e um dos meias entraria em diagonal para fazer o passe em profundidade. Assim é possível. Hoje não consigo visualizar uma dupla como Grafite e Dzeko no Wolfsburg campeão alemão 2008/09. Um dos dois precisa preencher o vazio no meio-campo”.

 

Gabriel Daiha: “O uso de dois atacantes na frente possibilita muita coisa. Voltam-se as tabelinhas, o 1-2 em diagonal que gera profundidade na equipe e que rompe linhas de marcação. Além de complicar a defesa adversária, deixando-a no mano a mano em diversas situações, a dupla de frente faz com que a “síndrome da área vazia”, um grande mal que se tem em times com “eixo central” na frente (1 ou 3 atacantes), seja remediado. Com isso, os atacantes se sentem mais confortáveis em buscar jogo fora do centro, sabendo que seu parceiro estará lá mantendo a profundidade da equipe. Uma aplicação muito interessante do uso de 2 na frente que gosto muito é o do uso do tripé ofensivo, com um meia atrás de 2 atacantes se movimentando fazendo as diagonais. Esse “switching” que esse sistema permite, com variabilidade de usar 2/3 atacantes com o avanço do meia ao centro do ataque (o famoso falso 9), confunde as defesas e gera espaços para os passes nas costas delas. Tudo isso só me mostra que cada vez mais vejo que o centroavante paradão que espera a bola no pé ou na cabeça (Alecsandros da vida) perde espaço no futebol. A necessidade de rodar, de abrir espaços pros homens de trás chegarem, de saber armar, dentre outros fazem com que os atacantes tenham que ser mais completos e versáteis e que os especialistas tendem a ficar para trás”.

 

Eduardo Papke Rocha: “Jogador que “pariu” o 4-2-3-1. Mas, vinha sucumbindo frente ao futebol contemporâneo. O segunda atacante estava entrando em extinção, perdendo espaço nos campos verdejantes de futebol. Ou talvez apenas se adequando a realidade do futebol. Afinal, feito a vida, apenas os mais fortes resistem. A espécie que melhor conseguir se adaptar as dificuldades, prevalece. O recuo para se tornar meia central do 4-2-3-1 remodelou o segundo atacante. O tornou polivalente. Propiciando o retorno do 4-4-2. Reinventou-se para o futebol. Recua para auxiliar na transição ofensiva e avança para somar-se ao ataque ao lado do centroavante, velho conhecido, intocável dentro das quatro linhas. Defensivamente deixou de ser inerte. A experiência do 4-2-3-1 nos demonstrou que é possível jogadores de característica ofensiva recompor, agrupar, compactar blocos quando acuados, ou, avançar as linhas e realizar o pressing no campo do adversário, o incitando ao erro, e iniciando tais manobras defensivas com o segundo atacante, peça fundamental, de extrema mobilidade e versatilidade. A função do segundo atacante, agora “recriado”, é vital, pois atua como "saca rolha". Vacilando entre a defesa adversária. Estonteando zagueiros ou volantes, abrindo brechas em sólidas e impenetráveis sistemas defensivos. A vitória pessoal em partidas que se demonstram amarradas e truncadas é de suma importância, pois desestabiliza o time adversário e cria espaço para o desenrolar das tentativas ofensivas. O “saca-rolhas” que compunha ataque ao lado do inabalável centroavante (longilíneo, carente de movimentação) caracteriza-se por opor-se integralmente ao centroavante. Geralmente: baixo, veloz, agudo e driblador. Denominado como “saca-rolha”, sujeito que tira um, dois ou três para dançar. Que abra espaço para os demais. São jogadores assim que desmoronam defesas pétreas. Eles mexem na marcação alheia, desencaixando as peças do ferrolho e abrindo espaços”.

 

Leonardo Miranda: “A volta do 4-4-2 aconteceu também porque hoje ganha quem faz a melhor transição. Parreira disse isso ainda em 2012, quando o Corinthians foi campeão mundial no 4-2-3-1, e logo depois houve o retorno de times no 4-4-2. Nesse desenho, o time ganha território para bloquear o oponente. Com dois atacantes próximos dos volantes e zagueiros adversários, fica mais fácil encurtar o espaço e roubar a bola já no campo de ataque. É só observar que City e Liverpool são times que jogam extremamente compactados e com marcação no campo adversário. E qual a reação que isso provocou no adversário? Recuar um volante entre os zagueiros para a saída de bola, talvez o movimento tático mais marcante de 2013 que Felipão e Guardiola souberam aproveitar em seus times e promete ser a solução para fugir da pressão das “duplas” de ataque e pensar o jogo ainda mais de trás”.

 

Rai Monteiro: “O 4-4-2 voltou mais variante. Hoje, no papel pode se imaginar um 4-2-3-1, mas na pratica se vê um 4-4-2, como por exemplo, o Real Madrid do início da temporada. Do meio para frente, todos imaginavam Modric ou Khedira junto a Illarramendi a frente da zaga, Cristiano e Di Maria abertos e Isco por dentro, com Benzema à frente. Quando o que acontecia, eram duas linhas de quatro com Isco aberto a esquerda e Ronaldo mais próximo de Benzema na frente, mas com uma função semelhante à de Agüero no City, recuar para armar ou abrir espaço para o ponta na diagonal. Esse dinamismo trouxe um novo charme à execução do 4-4-2. Hoje, City e Atlético de Madrid trazem as melhores propostas do esquema, com compactação, velocidade na transição e eficácia na frente. São esses alguns dos segredos para o sucesso desse esquema”.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

Jonathan Wilson: retrospectiva tática 2013 – Parte 1 (tradução do Google tradutor)

https://translate.google.com.br/translate?sl=en&tl=pt&js=n&prev=_t&hl=pt-BR&ie=UTF-8&u=http%3A%2F%2Fwww.theguardian.com%2Ffootball%2Fblog%2F2013%2Fdec%2F27%2Ftactical-review-strike-partnerships

 

Jonathan Wilson: retrospectiva tática 2013 – Parte 1 (link original)

https://www.theguardian.com/profile/jonathanwilson

 

Olho Tático – André Rocha. Texto do jogo entre Manchester City e Arsenal

https://www.espn.com.br/post/376441_o-impressionante-volume-de-jogo-do-city-que-atropela-em-manchester-vitima-da-vez-foi-o-lider-arsenal

 

Olho Tático – André Rocha. Texto que tratou sobre como encaixar Diego Costa na Espanha

https://www.espn.com.br/post/368085_diego-costa-e-selecao-espanhola-sera-que-da-liga

 

Painel Tático: texto que contém a gênese do 4-2-3-1

https://paineltatico.webnode.com/news/marcar-com-duas-linhas-de-quatro%3a-de-volta-%C3%A0s-origens/

 

Painel Tático: texto que abordou a volta do 4-2-4 na transição ofensiva

https://paineltatico.webnode.com/news/a-volta-do-4-2-4-na-estrutura-tatica-do-futebol-moderno/

 

 

 

Victor Lamha de Oliveira

 

Tópico: A VOLTA DO SEGUNDO ATACANTE COMO ESTRATÉGIA OFENSIVA

a volta do segundo atacante

@gabrielantony_ | 16/01/2014

Adorei o tópico, até porque eu sou um leal defensor do 4-4-2 se alternando principalmente pro 4-4-1-1 com o segundo atacante flutuano com bastante liberdade. e com as duas linhas de quatro marcando e bem compactas, pra mim ganha jogos!
Abraços victor

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