MARCAR COM DUAS LINHAS DE QUATRO: DE VOLTA ÀS ORIGENS

03/09/2012 02:48

 

A tendência tática atual, mais que visível, são as equipes marcando com duas linhas de quatro e atacando em outro esquema de sua escolha. Quem tem usado a vertente tática está se dando bem, o que pode configurar uma tendência ou até mesmo outro degrau no quadro da evolução dos sistemas e estratégias. Depois do Chelsea acabar com o domínio técnico do futebol apresentado pelo Barcelona, marcando com duas linhas e partindo para o contragolpe no 4-2-3-1, muitas equipes passaram a se valer da estratégia.

Independentemente de usar o 4-2-3-1, o 4-2-2-2 ou o 4-3-3, a regra é marcar compacto com duas linhas de quatro e montar rapidamente o “desenho de ataque” ao retomar a posse da pelota. Essa aplicação estratégica surgiu em equipes que usavam o 4-2-3-1. Porém, já se percebeu que tal variação se enquadra com uso de qualquer esquema. São vários os exemplos de equipes que estão usando a estratégia de marcar em linhas e atacar com outro desenho. E, quase todas, estão entre as melhores nos campeonatos em que disputaram ou estão disputando.

Usar as linhas, com certeza, é uma ótima opção defensiva. Sempre vimos equipes inferiores tecnicamente usando esse tipo de marcação para ceifar a qualidade do adversário. Além de favorecer a compactação, com o meia lateral aberto, duplica-se a marcação em todas faixas do campo. Entretanto, temos que analisar o que realmente representa essa tendência tática. Como sabido, na gênese do 4-2-3-1 está o 4-4-2 em linhas. Com essa estratégia reiteradamente aplicada, de usar o 4-2-3-1 (e mais recentemente outros esquemas) marcando em linhas, voltamos a usar o desenho que foi base para o esquema tático da moda. Avanço ou retrocesso?

Para embasar a discussão, vale a leitura de excelente texto de Eduardo Cecconi em seu extinto blog “O Tabuleiro”. Nesse post, Cecconi fala da gênese do 4-2-3-1 embasado no texto do jornalista inglês Jonathan Wilson:

 

 

A origem do 4-2-3-1

 

“Sempre recomendo a leitura do livro Inverting the Pyramid, do jornalista inglês Jonathan Wilson, verdadeira bíblia da evolução tática. Esta obra é referência obrigatória para se aprofundar na análise do futebol. E o último capítulo dedica-se à busca da gênese do 4-5-1 com três meias ofensivos – o 4-2-3-1 que se consagrou como tendência para as seleções da Copa do Mundo de 2010. E não encontrou.

Segundo Jonathan Wilson, a gênese do 4-2-3-1 está em algum lugar entre as Eurocopas de 1996 e 2000. Este sistema tático nasceu da simples variação do 4-4-2 em duas linhas, a partir de dois meias defensivos – o ‘doble pivote’, dois wingers muito adiantados, e um segundo atacante que recuava centralizado para receber o segundo passe.

Uma referência anterior descrita no Inverting the Pyramid é o Manchester United da temporada 1993-94. Paul Ince e Roy Keane eram os volantes, com Giggs e Kancheslskis adiantados pelos lados, e Eric Cantona recuando por trás de Mark Hughes. Contemporâneo a este time, Wilson cita o primeiro Arsenal de Arsene Wenger, com Petit e Vieira centralizados, Overmars e Parlour abertos, e Bergkamp recuando para Anelka jogar mais à frente. Duas grandes equipes.

Os espanhóis creditam o 4-2-3-1 ao Real Madrid de John Toshack em 1999 – do qual não me recordo – com Geremi e Redondo; McManaman, Raúl e Baljic; e Morientes (depois Anelka), embora uma revista chamada Training Fútbol atribua esta origem ao time Cultural Leonesa, na Segundona espanhola de 1991-92.

Com tantas indefinições, parece claro que o 4-2-3-1 nasceu de um movimento coletivo, embora inconsciente, de ocupação de espaços abertos na região central da intermediária ofensiva. Recuar um atacante para puxar um zagueiro, ou então para indefinir a marcação dos volantes, parece ter sido uma constatação plural na Europa. Ou seja, um natural processo da evolução tática no futebol”.

 

Eduardo Cecconi – Tabuleiro – 18/05/2011

 

 

Em minha opinião, a equipe que simboliza o nascimento do esquema da moda, entre as citadas por Wilson, é o Real Madrid de Raúl. O excelente jogador merengue e da seleção espanhola, além da capacidade técnica invejável, também sempre foi um atleta inteligente taticamente. Raúl sempre fez esse recuo à intermediária do adversário para armar o jogo e aproveitar o espaço entre a zaga e os volantes. Esse era o Real de John Toshack, do ano de 99:

 

 

Para ilustrar, alguns exemplos vitoriosos dessa variante tática no Brasil e no mundo. Antes, quero fazer alguns apontamentos. Primeiramente, sei que tirando o futebol brasileiro e algumas outras escolas, a maioria das equipes no mundo se defendem com o uso das duas linhas. E essa estatística inclui quase todos os times menores e menos qualificados tecnicamente. Entretanto, essas equipes que marcam em duas linhas, continuam mantendo o desenho base também nas ações ofensivas. Assim, praticam o jogo veloz pelas laterais com os wingers e se valem de dois atacantes, bem no estilo britânico, demonstrando resquícios do Rugby. O que trato nesse post é uma aplicação estratégica do 4-2-3-1 que se estendeu para outros esquemas como o 4-3-3 e o 4-2-2-2 (marcar compacto em duas linhas, usando a vertente defensiva do sistema britânico). Vamos aos exemplos vitoriosos e atuais dessa hibridação de esquemas e estratégias:

 

 

 

 

Chelsea – Campeão da Champions League 2011/2012

 

Barcelona x Chelsea - Camp Nou - Champions League 2011/2012

 

Campeão da Champions, o Chelsea foi uma grande surpresa e uma bela vitrine dessa estratégia de marcar com duas linhas, duplicar a marcação e partir no contragolpe. O time de Di Matteo, que assumiu nas quartas contra o Napoli, bateu o temido Barça e ganhou dos bávaros jogando em Munique, encontrou nessa forma de marcar um alento à fragilidade de seu sistema defensivo. E também devido à qualidade de equipes como Barcelona, Bayern e Real Madrid

Os Blues marcavam forte e partiam rápido no contragolpe. Um exemplo dessa estratégia era o posicionamento de Ramires. Sem a bola, o brasileiro era quase que um segundo lateral, dobrando a marcação e encurtando os espaços. Com a bola recuperada, voava pelo corredor lateral buscando dar o bote no adversário. Foi assim que ele fez aquele golaço de cobertura no Barcelona em pleno Camp Nou. Depois de finalizar a Era Guardiola, o Chelsea virou um paradigma tático dessa estratégia.

 

 

 

Corinthians – Campeão da Libertadores de 2012

 

 

Tite conquistou a América fazendo bem a lição ensinada pelo professor Di Matteo no velho mundo. Não estou afirmando que o treinador se inspirou no italiano, mas a influência da conquista do Chelsea é bem provável. Quando o time estava sem a bola, Emerson e, principalmente Jorge Henrique, voltavam fechando o meio e marcando os laterais adversários, formando verdadeira linha de quatro na marcação com Ralf e Paulinho. Na frente, Danilo e Alex revezavam na função de falso 9. O Corinthians conquistou a América com autoridade.

O time de Tite se destacou pelo elevado grau de obediência tática, assim como o Chelsea. O Corinthians impôs nessa Libertadores uma imensa dificuldade aos adversários: marcar gols em sua defesa sólida e compacta. Com essa determinação tática, o Timão se acertou e enfim subiu no topo do futebol sul-americano.

 

 

 

Fluminense – Campeão Carioca 2012 e atualmente na vice liderança do Brasileirão

 

 

Abel Braga, no ano de 2012, mais ou menos no final da fase de grupo da Libertadores, passou a usar seu 4-2-3-1 de forma diferente. Thiago Neves e Wellington Nem, os meias laterais, passaram a formar uma linha de quatro quando o time perdia a bola. Ao retomar a posse do balão, o tricolor abria Neves pela direita, Nem pela esquerda e Deco ficava livre pensando o jogo pelo centro, quase como um segundo atacante.

Com os resultados positivos e uma grata compactação da equipe, Abelão resolveu adotar de vez a aplicação estratégica para o 4-2-3-1. Assim como o Corinthians e o Chelsea, o Fluminense não joga um futebol vistoso e extremamente ofensivo. A equipe de Abel joga um futebol eficiente e de resultado. Como o Corinthians ano passado, o Flu não goleia os adversários por muitos gols de vantagem. Porém, a cada 1x0 ou 2x1 suado, o tricolor vem aumentando a dificuldade de vencê-lo.

 

 

Atlético/MG – Campeão Mineiro 2012 e atualmente na liderança do Brasileirão

 

 

Percebendo o óbvio, de acordo com as condições atléticas de Ronaldo, Cuca resolveu adequar o seu 4-2-3-1 ao craque, sem mobilidade para exercer a função de atacante pela ponta esquerda. Assim como o Fluminense de Abel e o Corinthians de Tite, o Galo tem jogado numa moderna versão estratégica do 4-2-3-1. A equipe mineira marca em duas linhas de quatro e ataca com quatro ou cinco jogadores, deixando o meia central como uma espécie de segundo atacante de um 4-4-2 em duas linhas, assim como Deco tem jogado no tricolor de Abelão. Jogando no meiuca central, Ronaldinho encontrou um espaço maior para desfilar seu talento

Danilinho e Bernard voltando pelos lados e formando uma segunda linha de quatro, libera Ronaldinho e Jô para criação de jogadas, seja trabalhando a bola ou partindo em contra-ataque. E Cuca vem sendo premiado pela ousadia e inteligência tática com a liderança do Brasileirão.

 

 

 

Grêmio – Atualmente na terceira colocação do Brasileirão e em ascensão no campeonato

 

 

O tricolor gaúcho montando por Luxemburgo trás uma aplicação interessante dessa hibridação de esquemas. Como citado, foi usando o 4-2-3-1 que se passou a usar a estratégia de marcar e compactar em duas linhas. Porém, Luxa teve que adequar essa hibridação às características individuais de seu elenco. Com Zé Roberto e Elano, dois meias de criação autênticos, Luxemburgo montou sua estratégia de forma diferenciada. Eduardo Papke Rocha comentou com perfeição sobre esse Grêmio de Luxa no Facebook, no excelente blog de discussões táticas criado por Max Pohl:

- “O hibrido 4-4-2 dele (Luxemburgo) ao passar do quadrado em fase ofensiva, para duas linhas em defensiva, está encaixado. A linha defensiva é um circo de horrores que ele conseguiu transformar em segura, reparem: Pará, reserva do Santos, atuou muitas vezes, desastrosamente, pela esquerda, Werley complica-se sozinho, Gilberto Silva é quem garante estabilidade. Anderson Pico voltou do futebol amador acima do peso. Caso o Grêmio encaixe seus laterais, torna-se candidato a titulo".

 

 

 

Manchester City – Atual campeão inglês e uma das melhores equipes do futebol mundial

 

 

O Manchester City, atual campeão inglês e uma das melhores equipes do mundo, também tem usado essa hibridação tática de defender-se em linhas e atacar em outro esquema. André Rocha explicou perfeitamente no Olho Tático o funcionamento da estratégia de Mancini:

- “Roberto Mancini segue com a proposta do 4-4-2 “híbrido”: duas linhas de quatro compactas e tipicamente britânicas sem a bola, avançando e recuando a marcação de acordo com a necessidade; intensa movimentação, verticalidade e contundência nas manobras de ataque em desenho próximo do 4-2-2-2 tipicamente brasileiro. Com a natural intensidade dos times ingleses, o City lembra em vários momentos as equipes comandadas por Marcelo Bielsa. Até por seguir os três preceitos básicos do treinador argentino: pressão, rotação e ataque”.

 

 

 

Real Madrid 2 x 1 Barcelona: Supercopa da Espanha – Mourinho vence Real marcando em duas linhas. Será que o português será mais um a adotar a estratégia?

 

 

Como dito aqui no Painel no post da partida, e demonstrado com o flagrante tático de Júnior Marques através do site A Prancheta, Mourinho compactou sua marcação em duas linhas, dobrando as marcações individuais em todos os setores do campo. Desta forma conseguiu ceifar o toque letal do Barça e conquistou a vitória levando suas linhas para marcar no campo do adversário.

 

 

Enfim, defender de uma maneira e atacar de outra é um traço da estratégia do futebol europeu, algo novo em nossas terras. Dois padrões, um ao defender outro ao atacar, em outrora, seria impensável aqui no Brasil. Isso demonstra que treinadores como Tite, Luxemburgo, Abel e Cuca estão antenados no que vem acontecendo taticamente no futebol.

Todas as equipes citadas jogam primeiramente para evitar o gol, praticando um futebol de resultados, porém vencedor de títulos. Talvez a derrota do Barcelona para o Chelsea tenha sido tão paradigmática quanto à derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1982. A discussão é pertinente e essa foi a intenção quando decidi fazer o texto. Aguardo a opinião de todos, estou curioso para saber o que vocês acham dessa hibridação tática que advém da estratégia aplicada ao desenho. Avanço ou retrocesso? Abraço!

 

 

 

 

 

 

 

 

Victor Lamha de Oliveira

 

 

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